Claro que já se falou o suficiente sobre o trânsito de São Paulo. E sobre o trânsito combinado às chuvas de início de ano, mais ainda. Mas estando aqui, rodeada em uma maré de carros, sem trocar a marcha há mais de uma hora, como falar de outro assunto?
O trânsito é cruel, mas tem seu lado engraçado. É engraçado ver pessoas jovens ou velhas, brancas ou negras, inteligentes ou estúpidas, ricas ou pobres ficarem absolutamente presas no mesmo espaço. Uma ao lado da outra, com menos de 2 metros de distância. E mais engraçado ainda é que quase todas, apesar das diferenças, reagem do mesmo jeito: colocam a cabeça para fora, gesticulam, dão farol alto, batem a mão no volante, xingam aos céus, formam um furacão de bufadas e suspiros e claro, buzinam. Eternamente. Algumas chegam a sair do carro, injustiçadas, e logo voltam para ele, desconsoladas.
É preciso no mínimo uma década de treino prático e intensivo para ver graça nisso tudo. E, ainda assim, é uma habilidade tão particular que deveria ser destaque em qualquer currículo: “15 anos dirigindo no trânsito de São Paulo. Capacidade única de rir do congestionamento – e de si mesmo”.
Trânsito é vida. Não tenho a menor dúvida de que tudo o que eu já vi de mais bizarro aconteceu em meios aos carros, fumaça e ronco de motores. De casais se matando a casais matando qualquer tipo de pudor em público. De gente tirando caca do nariz a gente sem nariz. De pessoas se matando de rir a querendo se matar de tédio. Ou matar alguém de raiva. Gente gritando, chorando, gargalhando, cantando, surtando, competindo, comendo, sonhando, lendo, escrevendo, explodindo, espreguiçando.
A vida no trânsito é praticamente uma vida paralela e nela passamos cada vez mais tempo. Suspeito que um dia vamos inverter as bolas de vez: a vida paralela vai acontecer em casa, no trabalho, na escola; e a vida oficial vai ser a do trânsito. Quem sabe assim tudo fica mais claro e começamos a ter paz. Ou não, porque o gritar, o xingar, o competir e o ameaçar vão acontecer em outro lugar: em casa, no trabalho, na escola. Mas já não é assim? Fiquei confusa.
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
Visita
Fazia tempo que eu não tinha insônia, mas ela chegou na ponta dos pés, levantou o lençol devagarzinho e se deitou do meu lado, aqui na cama. Batemos o maior papo. Sobre a vida, sobre os planos, sobre a música tocando no iPod, sobre o colchão que às vezes afunda demais, sobre o desinfetante que comprei de besteira, sobre o livro esperando para ser lido, sobre saudades de ter cachorro, sobre as pessoas e suas esquisitices. Esquisito é fechar um olho de cada vez e ver que a estrela do céu muda de lugar. Um pouco mais para cá, um pouco mais para lá e eu testando; impossível saber onde ela fica de verdade. Subjetivo como todo o resto. Como a felicidade, como os filmes que eu mais gosto, como uma meia-ponta que perde o equilíbrio, mas não o charme. Tinha é perdido o sono, mas encontrei: escondido entre um pensamento, uma última música e um ponto final.
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
O que você faz com as coisas em que acredita?
Não as que pesquisou, entendeu, pós-graduou e concluiu, mas as mais simples. Aquelas em que acredita porque sente e, sentindo, simplesmente sabe. O que você faz com elas? Se mesmo querendo gritar, você mal consegue falar a respeito sem parecer lugar comum. Sem ser vista como ingênua. Sem ter que entrar no jogo e discutir as regras para pelo menos parecer razoável, maleável, aberta a tudo aquilo que, no fundo, você nem precisava ouvir. O que você faz?
O que você faz se em um minuto o assunto acaba e tem alguma coisa mais importante passando na TV? Se discutir o seu jeito de pensar é uma concessão e discutir o resto é entender como o mundo funciona. O que você faz se para você não funciona?
O que você faz se o recipiente em que você resolveu guardar tudo, mais perto do cérebro que do coração, de repente transborda? E você não tem mais onde guardar. Como você faz para largar tanto pensamento solto, para ignorar, para deixar, para esquecer; como você faz para passar ou para nem perceber?
O que você faz com aquela lágrima quente que sobe pela sua garganta, domina seu olho e de repente despenca pelo seu rosto antes que você culpe o cisco? O que você faz com essa imagem toda embaçada? E com a noite lá fora? E com o travesseiro aqui dentro? O que você faz com esses momentos raros e ruins em que as coisas realmente importam?
O que você faz se em um minuto o assunto acaba e tem alguma coisa mais importante passando na TV? Se discutir o seu jeito de pensar é uma concessão e discutir o resto é entender como o mundo funciona. O que você faz se para você não funciona?
O que você faz se o recipiente em que você resolveu guardar tudo, mais perto do cérebro que do coração, de repente transborda? E você não tem mais onde guardar. Como você faz para largar tanto pensamento solto, para ignorar, para deixar, para esquecer; como você faz para passar ou para nem perceber?
O que você faz com aquela lágrima quente que sobe pela sua garganta, domina seu olho e de repente despenca pelo seu rosto antes que você culpe o cisco? O que você faz com essa imagem toda embaçada? E com a noite lá fora? E com o travesseiro aqui dentro? O que você faz com esses momentos raros e ruins em que as coisas realmente importam?
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