sexta-feira, 18 de março de 2011

O que se fala, o que não se fala.

No começo eu não queria nem entrar. Do lado de fora, via a grama verdinha, os bancos românticos de madeira, as flores bem regadas. Mas de vez em quando uma bengala esquecida, me despertando da expectativa inocente de encontrar o que as pessoas chamam de lar.

Não que o nome Casa de Repouso me enganasse, com todos seus arabescos e a cor azul bebê, lembrando um universo infantil forçado. Mas é que antes de pisar aqueles 3 metros para dentro, eu ainda conseguia dar uns tapas na imaginação cada vez que ela insistia em pintar um quadro muito feio. Agora, já era mais difícil ignorar o cheiro de xixi misturado com produto de limpeza, os andares sem direção, os quilos de pele enrugada e um ou outro olhar me atravessando o corpo.

Minha reação não variava muito: exagerava na simpatia, fingia estar absolutamente acostumada a toda e qualquer cena, virava os olhos sutilmente para outra direção quando necessário. Sorria o maior sorriso que conseguia e esquecia ele lá. Mas, depois de um tempo, a boca perdia a vontade de ser grande e se contraía de novo. E quando isso acontecia, sempre que isso acontecia, algumas palavras iam se juntando aleatoriamente na minha garganta e, quando não cabiam mais sem eu engasgar, saíam voando em alguma direção não muito certa. Eu deixava elas irem para onde queriam, serem o que tinham vontade de ser, contanto que preenchessem o vazio daquele ar quente.

E daquela vez elas foram correndo, meio tortas, esbarraram em alguns cabelinhos brancos e macios e enfim chegaram aos ouvidos da Dona Carmem. A senhora fez aniversário, né? Que bacana, teve festinha? Ah não, minha filha, antes era eu e o velho, agora o velho se foi, não teve festa não. Ah tá, pensei que tinha. Tido. Festa.

Se eu nunca soube responder ou comentar esse tipo de comentário, não é agora que saberia. Muito menos tendo vindo com a naturalidade de quem conta que a novela das 8 acabou. Mas ela não parecia se importar com a minha reação ou falta dela. Acho que nada superava o fato de pelo menos eu estar lá, segurando sua mão, fazendo um carinho desengonçado com os dedos, ainda que falando sempre as mesmas coisas: o calor, a chuva, o trabalho, a bonequinha ao lado da cama, de quem é?

Queria falar mais. Queria contar uma história. Queria perguntar, o que a senhora achar de estar aqui? Queria saber quanto tempo durou sua juventude e quando foi que ela se olhou no espelho e viu que os anos tinham passado. Mas isso não, isso eu nunca falaria. O calor, a chuva e a bonequinha ao lado da cama vão ser sempre mais bobos e seguros. E quando o assunto acabar, como sempre acaba, eu vou dizer que preciso ir, mesmo nunca precisando. Vou me despedir, prometer com os olhos que volto logo e tentar não sair de lá com a sensação de que é tudo matemática: quantos anos, quantos sorrisos, quantos momentos, quantos sins, quantos nãos, quanta gente, quanta vida, quanto importa.

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