Paraíso. Entro no trem cheio, mas dou sorte. A Dona Japonesa está ali, sentadinha na beira do banco, o corpo meio torto, prestes a levantar. Chego perto. Dia cansativo, pernas doendo, cabeça cheia, costas tortas. A Dona Japonesa quase levantando veio a calhar.
Vergueiro. Gente entra, gente sai, mas a Dona Japonesa continua ali. Deve ter se confundido. Tanto que continua na beirinha do banco, mão firme na sacola plástica apoiada no chão. Quase, quase levantando. Logo ali vaga um banco, mas sou fiel ao lugar da Dona Japonesa. Afinal, no próximo ela já desce.
São Joaquim. Porta abre, apito apita, porta fecha e nada de a Dona Japonesa se levantar. Nem para frente, nem para trás; nem para um lado, nem para outro. Só o quase de 2 estações atrás. Faz sentido: em que outra estação poderia descer a dona Japonesa senão na próxima?
Liberdade. Outras Donas Japonesas entrando e saindo, mas não a minha. Começo a achar que ela não se levanta porque não consegue. Falta força nas pernas? Será que ofereço ajuda? Atrás dela, mais da metade do banco vazio. Eu caberia ali até de perna esticada, mas seria falta de respeito com a senhora Dona Japonesa que, coitada, vai descer logo na estação mais cheia.
Sé. É. Teria sido difícil mesmo enfrentar a multidão. Vai ver por isso ela continuou ali, só com meia banda no banco, se preparando para descer na estação seguinte. Din-doum.
São Bento. Uma mão apoiada no banco, outra firme na velha sacola plástica. Deve ser professora de yoga a tiazinha Dona Japonesa, com as costas em 45 graus e pernas de agora eu vou. Mas não vai.
Luz. Já não faço idéia se existe outro banco vazio. Quero é ver se a Dona Japonesa pisca, se muda o corpo 1 cm de lugar, se dá algum sinal de impaciência com a estação que ela sempre acha que está chegando. E nada.
Tiradentes. Meu falta pouco para sentar é cada vez mais um falta pouco para a Dona Japonesa levantar. E ela continua ali.
Armênia. Eu só via de cima a Dona Japonesa. O cabelo quase todo preto, a pele quase enrugada, os óculos quase na ponta do nariz, o casaquinho quase fechado, a sandália quase sem salto. Pelo jeito vai descer comigo.
Tietê. Quase todo mundo desce. Já estou do lado de fora, vendo o trem ir embora com a Dona Japonesa. Dou risada sozinha e me apresso: o ônibus deve estar quase saindo.
Um comentário:
Você continua "superbe"! como dizem os franceses...
bisou et bon courage,
Denilson (ex-Fábrica, ex-Almap, ex-brasileiro e ex-crachado!)
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